quarta-feira, junho 29, 2005

Ida à praia

Enquanto secam as salinas quentes nos umbigos veraneantes
eu dou três passadas fortes contra o mar
Estaco como quando era criança
em pegas imaginárias das constantes investidas que ele faz
À sétima é tempo de avançar
rezam os físicos
Uma questão de absorção de energia, explicaram uma vez
Sigo na corrente
Deixo-me bolinar
Sou sargaço
Sou pouco mais complexa que um organismo assim
e filtro e como o dia
Até reverdescer
E sigo na rota que ninguém traçou
que não me destinei
E destino não há
Só há um mar cada vez mais forraginoso
em que cresço como o prado
a espraiar-me cada vez mais longe
Até cercar continentes
Até que os coma também
E os veraneantes acordam finalmente das suas toalhas suadas
temendo o maremoto verde
Eu vou deglutindo tudo à minha volta
numa voragem de alga gulosa
Trago areia, e tossiquenta
bebo dos baldes das crianças
Trago esteiras e chapéus-de-sol
peixe, pescador e anzol
Trago os meninos das fraldas
trago as meninas dos olhos
postos nas senhoras em top-less
que também como
Como os olhos que comem
biquinis e bronzeados
Trago o senhor dos gelados
que me pára a digestão
Sorvo das conquilhas, lapas e navalheiras
Além derrubo esplanadas
toldos, clientes, cadeiras
Vou ganhando o mar à terra
O meu apetite verde
não pára para dar passagem
varre estradas e ruelas
come os carros das garagens
E é quando me uno comigo
com braços de mar e línguas de terra
num abraço canibal
sobre todo o planisfério
que evito a autofagia
com um arroto verde
saciado.