quarta-feira, junho 22, 2005

Técnicas de interrogatório para quebrar corações

Inquirir com arte macabra
e requintes de malvadez
o penoso, o sussurrante,

com frieza bastante
Até ao ACV, quebrar-lhe a mudez
Oprimi-lo contra as espáduas até que se abra

Arrítmico e em transe
há-de bombear tudo o que não sabe,
inventar um pouco até, talvez
- O músculo não é boa rês
e enquanto abre e não abre,
deixar que o interrogador se canse

«Coração, onde foi que o viste pela última vez?»
Não se lembra, não lhe ocorre,
bate e rebate, sem alguma vez ceder
«Coração, coração, que tens andado a fazer?»
Casa-trabalho-casa, a vida num corre-corre
Tem sido assim todo o mês

«Ai coração, coração, não tens nada que te aperte,
suores frios de quando em vez?»
Gelado, sem ponta de sangue,
quedo, seco e exangue
tartamudeia: talvez…
- O coração tem um frete!

Leva e traz toda a semana
suspiros, ansiedade, medo
Trafica, esconde e conspira,
às vezes num vira e revira,
outras tranquilo e ledo
- e desfia a sua trama

Tem encantos, tem calores
quando ouve a palavra mansa
conta passos, intercepta olhar
E é vê-lo, em pressas, alegre por confessar
que pula, que gira, que dança,
que são assim os amores!