sábado, abril 30, 2005



olhos de ver

Oração interrogativa

Na praça há um grande obelisco em torno do qual se aglomeram milhares por um defunto e, depois, por uma voz que começa a soar entre as paredes do grande edifício que se encontra por trás. É uma massa enorme, de olhos postos nas janelas, nos telhados, um olhar atento que provém dos mais remotos lugares. O mundo espreita uma pequena chaminé: um metro de altura, ferro, esguia, anunciadora.
Lá dentro, a primeira voz ouve-se. É um homem, e reza. O que me pergunto, o que me inquieta, o que é talvez uma simples curiosidade sobre um indivíduo, além do que possa representar: será que as orações lhe saem mecânicas, como tantas vezes a mim, no meio de todos os afazeres e textos fechados que concluem as vidas de milhares a imensas distâncias? Será que conversa? Será que sente que as palavras proferidas não embatem e retornam da fronha da almofada, à noite, antes de dormir, descobrindo ou suspeitando que afinal conduz um monólogo para o algodão da cama e para si próprio? Como será a fé de um homem assim?

segunda-feira, abril 18, 2005



olhos de ver

Subtranquiliquidade

Numa imersão esférica
Os membros não são desiguais
Não me sei vertical
Ou horizontal
Sei-me propulsa
A atravessar o toque de um elemento
Mais sensacional que o ar
E sei-me da graça
Dos movimentos lentos e redondos dos peixes

janeiro, 2000, estado recorrente