sexta-feira, junho 30, 2006

O coração ouve a voz do dono

À voz de comando, não se deita a parir calmarias resignadas, consolações e outros remédios. Se lhe negam de vez a trela, e o mandam esquecer os lugares dos passeios matinais, obedece antes de tudo, obedece sempre, e a meio da rua já esqueceu o lugar de onde veio. Acha que já nasceu vadio, e não se engana muito, não.


olhos de ver

... e há tempos que já não estava nos lugares onde não estava.

quinta-feira, junho 29, 2006

Lyrics fool

...shaking like Muhammad Ali...

quinta-feira, junho 22, 2006

Pausa para pescar



olhos de ver

quarta-feira, junho 21, 2006

Corpo de texto

Tem publicados contos, poemas, romances e outras ficções.
A sua obra, de excepção, é no entanto ainda aquele cru, frontal, e auto-biográfico coração.
Queria copiar-lhe o estilo, eu, e ser assim texto acabado, texto copiado, na ponta da língua.

segunda-feira, junho 19, 2006

sábado, junho 17, 2006



olhos de ver

sábado, junho 10, 2006

"Ó mãe, de algo me esqueço que não sei que seja…
Ó mãe, que é que eu olvido?
- A roupa já está toda, filho.
- Sim, mas algo falta que não sei que seja…
Ó mãe, que é que eu olvido?
- Já vão os livros todos, filho?
- Todos, mas algo falta que não sei o que seja…
Ó mãe, que é que eu olvido?
- Será o teu retrato, filho.
- Não, não, mas algo falta que não sei que seja…
Ó mãe, que é que eu olvido?
- Não penses mais, e dorme, filho.
(...)"


O Adolescente
, Juan Ramón Jiménez (tradução de Jorge de Sena)

sexta-feira, junho 09, 2006



olhos de ver

terça-feira, junho 06, 2006

A perfect day for bananafish

«They waded out till the water was up to Sybil’s waist. Then the young man picked her up and laid her down on her stomach on the float.
“Don’t let go,” Sybil ordered. “You hold me now.”
“Miss Carpenter. Please. I know my business,” the young man said. “You just keep your eyes open for any bananafish. This is a perfect day for bananafish.”
“I don’t see any,” Sybil said.
“That’s understandable. Their habits are very peculiar.” He kept pushing the float. The water was not quite up to his chest. “They lead a very tragic life,” he said. You know what they do Sybil?”
She shook her head.
“Well, they swim into a hole where there’s a lot of bananas. They’re very ordinary looking fish when they swim in. But once they get in, they behave like pigs. Why, I’ve known some bananafish to swim into a banana hole and eat as many as seventy-eight bananas”. He edged the float and its passenger a foot closer to the horizon. “Naturally, after that they’re so fat they can’t get out of the hole again. Can’t fit through the door.”
“Not too far out,” Sybil said. “What happens to them?”
“The bananafish.”
“Oh, you mean after they eat so many bananas they can’t get out of the banana hole?”
“Yes,” said Sybil.
“Well, I hate to tell you, Sybil. They die.”
“Why?” asked Sybil.
“Well, they get banana fever. It’s a terrible disease.”»

J. D. Salinger, A Perfect Day for Bananafish

segunda-feira, junho 05, 2006

Procura-se

música com bicicletas em fundo
Vagabundeava os seus finais de tarde ali pelo jardim, limpando a garganta, ensaiando-se muito, subindo e descendo escalas apoiando-se em vogais.
Franzia o sobrolho e dava-se ares circunspectos que resultavam no encontro redondo das mãos sobre o fundo das costas. Cofiava muito por vício o sobrolho que franzia, o que lhe dava já um rosto assimétrico no qual se mantinha apenas intacta a sobrancelha esquerda.
Quando se achava finalmente na seriedade que considerava necessária para contemplar poentes, o homem estacava então rente às varandas do jardim esperando com o olhar fixo em tal lugar a tal que se fazia esperar.
Ela tinha todos os predicados que são exigíveis a uma musa de topo, e ele achava-se assim muito grato por tal distribuição – perfeitamente aleatória – que de facto resultava muito feliz. Produzia imenso e calejava realmente os dedos como um homem que escreve deveras.
Tinha, claro, as vestes vaporosas, tal colo níveo, e muitas, muitas ondas que lhe cresciam do couro cabeludo para lado nenhum, já para não falar do ar impassível e distante que todos sabemos que as musas devem ter.
Assim, ele, um homem de sorte, enchia seguríssimo o peito mal a avistava entre as ramagens e iniciava os tantos elegíacos cantos baritonais que lhe competiam, dado receber dos deuses uma musa tão canonicamente conveniente.
Eram ais e uis, vários padecimentos e melancolias, sempre ao entardecer, em que se cantava acometido de uma paixão intensíssima e prometia excessos e devaneios de ordem superlativa – profissionalíssimo que estava já naqueles encontros.
Mas, naquele dia, a musa parecia trazer um ar estranhamente humano, reparou quando ela fitou o chão enchendo-se de humildade e ruborizando até.
Ficou impacientado com aquela mudança de cor repentina, que dizia muito mal com tal verso onde a voltas tantas da cantiga a sua face alva e redonda destronava luas e todo um inventário de coisas brancas.
Esforçou-se porém por prosseguir tal como sem o inesperado encardir da musa até paralisar em sílaba meã de palavra esdrúxula que devia assentar-lhe nos pés, estes que deviam ser de todas as coisas rasteiras as mais aéreas afinal, e sublimes, e tão leves, em movimento ascendente, estratosfé…
E a musa enterrada já até aos artelhos, afundava humanamente sob o peso de cada novo elogio. E, quanto mais afundava, maior também o rubor, sentindo-se naquela tarde obrigada a vermelhar cada burilado apodo.
E, nisto, o lírico esforçado persistia em tornar a atirá-la aos altos etéreos. Mas ela aterrava pesadamente, levantando poeira e voltando a afundar-se até aos joelhos.
Ele, tosseguento, já titubeava, inseguro de que a sua elegia em altitude alcançasse tão náufraga musa.
A musa, já com o chão pela cintura, decidiu-se finalmente a interrompê-lo, e disse em tom muito educado: “Estou-lhe profundamente grata por tudo, mas receio não poder aceitar”.
Incrédulo, o homem pôs-se de ponto muito interrogativo, deixando suspenso no ar, além deste, o braço glorificante que se agitava veemente em várias tentativas de elevação poética, destinadas a içar a musa da sua humilde profundidade.
Foi então que ela fez brotar da terra um fiozinho de voz modesto para explicar: “Ficar-lhe-ia eternamente obrigada, mas por isso mesmo vou ter que recusar. É que, sabe, não vim prevenida com nada que depois lhe possa dar”.


olhos de ver

quinta-feira, junho 01, 2006

Houve um tempo em que ainda recebia os meus amores à janela. Vinham as mais das vezes sem avisar e acordava com o barulho das pedrinhas no vidro. Eu imaginava muito o dia em que escalariam, intrépidos, o algeroz junto à portada de ripas para se sentarem comigo no parapeito e em que assistiríamos juntos ao espectáculo aéreo das corujas, por fim.
Lembro-me em particular de um aniversário em que o termómetro marcava 39 graus centígrados. Tinha vindo de apagar os meus 18 anos para o quarto, embrulhada num xaile laranja e arrepiava-me com febre e Lautréamont, emprestado da biblioteca municipal.
Era Outubro nocturno, mas não um Outubro tão ameno que pudesse assomar à janela sem perigo com o nariz ferido de tanto o assoar. Ainda assim não hesitei quando soou a surpresa no vidro – e, tanto quanto sabia, estava longe o meu amor, no Porto. Abri a janela e recolhi feliz o pé de sardinheira encarnada lançado com pouco balanço na travessa estreita.
E era exactamente assim, e trazia mesmo a raiz, e eu sem censuras contra a prenda roubada fungava feliz da ponta do meu nariz para aquele meu amor que eu julgava distante e que tinha uma boca larga de palhaço, que lhe ficava de ser um clown de calçada em part-time.
Ainda hoje, se me imagino no Porto, julgo que pode a qualquer momento interromper-me os passos numa rua de comércio, sorrir-me mudo e mimar-me enquanto caminho, atinando coreografias com a minha sombra distraída para recreio dos transeuntes.
Recordo que lhe escrevia chamando-lhe o meu amor naïf e prometia-lhe gatos e paisagens de pequenas casinhas quadradas, ternuras rolhadas, abraços e mesmo o retomar dos passeios saltitantes de mãos dadas, equilibrando as promessas com a censura e as exigências de que me devolvesse os emprestados livros de poemas que me chegavam quase sempre semi-destruídos.
Sempre era assim, a imaginar-me mãe feita de água, transbordante, jorrando palavras e oferecendo os braços desinteressados aos amores que vinham à minha janela. Hoje, que vivo num 22º andar, sinto-os em perigo se me tocam à campainha, como em nenhum algeroz, e evito a intempérie se a gripe ameaça. Sei que o voo das corujas é uma coisa cá comigo, raro empresto livros.
Era uma rapariga tão doce, tão doce, que amargava.

Still life in mobile homes



olhos de ver